domingo, 7 de fevereiro de 2010

Espelho

Do blog do Gabriel Martinho, poeta-cineasta. Ou cineasta-poeta.
Gabriel passou rapidamente pelas aulas para o Vestibular. Sempre teve talento com as palavras. Pedi permissão a ele para trazer para cá o texto abaixo.
Vão lá ao blog dele conferir as boas coisas: http://palavraacostumada.blogspot.com/


ESPELHO


acontessência

a vida perdoa só tempo. aquele tal uno colossal. pudesse viver de tudo a esquecer de passado e a vida seria muito. do acaso ao talvez. engraçado como é árduo pra difícil. como mais foge que aproxima essa querência. para isso, é claro, elocubra-se essência e morte até.

o medo é vertente da vida. um sadismo cômodo em mover sofrendo.

não há dúvidas do maior, ainda que escuro. sensações impulsionais pulsantes do eterno. um peso sem vago de total esmago. leve quando desencaixa em livre conexão. isso encuca. faz crer nomes diversos [arte, deus, essência, meteoro, nirvana, gol, suor, canto, ballet, rio, etc, etc e etc].

responsabilidade juvenil de ser. intensa busca por identidade que não se basta. quanto mais indócil menos invólucra, apesar de amadurecida. acontecimento existencial natural enquanto sobrevivência. refutação do é pelo deveria. necessidade de aceitar a realidade anacrônica ao conhecimento.

genética responde por involuntariedade. arte assume insanidade.

de resto, sociedade.
como desculpa
pisar sobre pisos
rir sobre risos
amar sobre outros
intuir sobre coisas
por acontecer.


Aqui no Sistema

Márcia Mendel faz parte de um grupo da Oficina da Palavra. Tem muito senso crítico, e seus textos são carregados de humor. Entre centenas de contos, “Aqui no Sistema” ganhou direito à publicação no livro “ Contos de Todos Nós”, lançado durante a última Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, em 2009. Há algumas cópias já, rolando na Internet, mas sou testemunha da verdadeira autoria, uma vez que acompanhei o processo de construção deste texto.
Marcia Mendel


Aqui no Sistema


_ Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde.

_Boa tarde, eu queria uma pizza, metade calabresa e metade portuguesa, por favor.

 _Senhor Ignácio, eu acharia melhor substituir a metade calabresa por uma vegetariana. O seu colesterol está muito alto. 

 _Eu sei, mas hoje é sábado e minha médica disse que, uma vez por semana, eu poderia comer.

_Não, senhor, segundo consta aqui no sistema, o senhor está terminantemente proibido de comer qualquer tipo de gordura trans. E só estão permitidas duas fatias de pizza que juntas não ultrapassem 100 kcal, mas isso, se o senhor tiver cumprido sua meta semanal de exercícios. O senhor cumpriu?

_Mas eu não vou comer a pizza sozinho...

_Sabemos senhor Ignácio, o senhor sempre pede pizza quinzenalmente, aos sábados, que são justamente os dias que passa com o João e a Clara. O próximo fim de semana seria da dona Elza, mas como ela estará viajando com o senhor Roberto para Cuba, o senhor terá que ficar dois fins de semana seguidos com as crianças, a não ser que peça para a Dona Amélia cuidar delas. Por enquanto não consta nada aqui no sistema relativo a alguma viagem da dona Amélia. Já a sua ex-sogra estará naquele SPA em Itaipava que costuma ir a cada dois meses.

_Muito obrigado por me ajudar a decidir com quem meus filhos ficarão no próximo fim de semana, mas voltando ao assunto da pizza, aliás, foi pra isso que eu liguei, ou será que teclei errado?Ah, sei lá, já nem sei direito com quem estou falando.

_ Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde.

_Ah claro, era você, Maria... Não precisa repetir tudo novamente: “Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde”

_Mas foi o senhor que disse que não sabia com quem estava falando e segundo o que diz aqui no sistema, a cada vez que o cliente der sinais de que está ficando confuso devemos repetir tudo desde o início.

_Ok, ok, dona Maria. Substitui então a pizza calabresa por vegetariana, pelo menos a metade portuguesa você pode deixar?

_Impossível, senhor Ignácio. A metade portuguesa tem, em cada fatia, 29% de gordura trans e 72 kcal, ou seja, praticamente metade de uma fatia já iria ultrapassar o máximo de carboidratos que o senhor poderia atingir em um sábado.

_Então tá. Eu não como a portuguesa, como só a vegetariana, eu prometo. Eu deixo a portuguesa para o João e a Clara.

_Desculpe lhe informar, senhor, mas o João também não pode comer pizza portuguesa.

_Ai meu deus, por quê?

_Porque a pizza portuguesa contém cebola e a última vez que o João comeu cebola, o resultado parece que não foi nada bom, segundo consta aqui no sistema.

_Ah é?! E o que aconteceu com o João, dona Maria?

_Ele teve reações alérgicas fortíssimas. Os olhos ficaram inchados e placas vermelhas apareceram no pescoço. O senhor não deveria saber por que, neste fim de semana, ele estava com a sua ex-esposa. Era o fim de semana dela.

_Mais uma vez, muito obrigado pela informação. Mas será que a senhora então, poderia tirar a cebola da pizza portuguesa e trazê-la?

_Não, senhor! Nenhuma das pizzas pode ter seus ingredientes alterados.

_Mas você não está substituindo nada, só está tirando.

_Por favor, senhor Ignácio, não insista. O sistema não nos permite retirar a cebola. Peço também que o senhor não se altere, senão sua pressão irá subir e os preços dos remédios para controlá-la estão cada vez mais altos. E sua situação financeira também não é das melhores.

_O que a senhora sabe da minha situação financeira?

_Eu não sei de nada, é o que diz aqui no sistema: 30 reais de saldo devedor e dois mil para serem pagos na próxima fatura do cartão de crédito que vence dia 07.

_A senhora só pode estar brincando.

_Não, senhor. O sistema não permite brincadeiras.

_Mas, que palhaçada é essa?!!

_Não senhor, eu não sou palhaça, sou atendente da pizzaria Clique e Pronto.

_Então, porra, me manda a merda da pizza vegetariana com uma, uma... de alface!

_Senhor, detectamos duas palavras em sua frase que não concordam com o nosso sistema. O senhor poderia repetir a última frase, por favor?

_Eu-não-quero-mais-pizza!!!!

_Desculpe, senhor?

_Eu-não-quero-mais-pizza!!!

_O sistema não decodificou a sua mensagem.

_Vão pra puta que os pariu, todos! Mensagem, colesterol, rúcula, alface, sistema e você, Dona Maria!

_Desculpe, senhor Ignácio, tivemos uma falha no sistema.
...

_ Pizzaria Clique e Pronto, Renata, boa tarde.


Trabalho Infantil


Pedro Fonte, em 2009, foi aluno em nossas aulas de preparação para a redação do Vestibular. A análise da pontuação, em cada texto seu, por exemplo, foi-lhe possibilitando organizar suas ideias, sempre muito boas, sobre temas diversos e, finalmente, garantiu ao Pedro um excelente resultado na redação no Vestibular.

O tema abaixo foi a proposta de redação do ENEM/2005.

Trabalho Infantil


Durante a história da sociedade humana, por mais que nem sempre tenham existido leis que proibissem o trabalho infantil, o bom senso agia, permitindo que tal ato fosse condenado. Assim como nos dias de hoje, as famílias mais abastadas sempre puderam se dar o direito de manter sua prole sem trabalhar. Aqueles pais com dificuldades financeiras, no entanto, concordando ou não com o trabalho infantil, necessitavam da renda e da força de trabalho de seus filhos.


Um fator tão presente na história da humanidade não aconteceu de forma diferente no Brasil. Conforme as desigualdades iam surgindo, o trabalho infantil dava suas caras. Desde os tempos da escravidão dos negros, até a promulgação da Lei do Ventre Livre, não havia restrições sobre a exploração dos filhos de escravos. Eles eram forçados, inescrupulosamente, a trabalhar para seus senhores. Mesmo nos dias atuais, em que a desigualdade econômica é notória, os jovens desfavorecidos são destinados a labutar em detrimento de sua infância e juventude.


O trabalho infantil no Brasil não é uma questão a ser vista com olhar reprovador sobre os pais que põem seus filhos nesta situação. Não são eles que desrespeitam os direitos humanos. Eles são pessoas poucos instruídas, sem educação, sem opções, esquecidas pela sociedade. Esta, por outro lado, tem uma grande parcela de culpa no que diz respeito à labuta infantil no país, pelo fato de ela ter papel fundamental na criação da barreira que é a exclusão social.


Tratar do trabalho infantil como uma escolha dos pais, ou dos próprios jovens é errôneo, visto que eles não têm direito à escolha. Deve-se retratar este problema como um fator histórico, totalmente dependente da desigualdade entre as classes que vem se ampliando desde o momento em que a sociedade brasileira se formou. Uma saída plausível para esta situação é a inclusão destes jovens na sociedade, o que remete a outras questões mais profundas do país, porém fundamentais ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa.