quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Beleza dela

- Esse Jair é um filho da puta mesmo. Que a mãe dele me perdoe, mas quem mandou colocar no mundo um ser humano tão desprezível. E agora que foi promovido a diretor, é que ficou insuportável mesmo. Sempre foi arrogante e dissimulado. Não suporto gente falsa. Entra aqui, na minha sala, como se fosse o meu melhor amigo. Pergunta pela família, pelo cachorro e até pelo Chico, o meu periquito - que só de ouvir a voz dele
fica completamente maluco. Depois, solta uma das suas piadinhas totalmente sem graça e dá aquela gargalhada forçada. E aí, como quem não quer nada, vira pra mim e diz que mudou de idéia sobre o projeto? E ainda me pede para refazer todos os cálculos. Um dia desses, ainda vai levar um soco bem no meio da cara. Olha, não sou um sujeito violento, não... mas também não tenho sangue de barata. O cara tá pensando que eu sou idiota? Quer saber de uma coisa? Pra mim chega. Esse trabalho fica para amanhã! E se a ponte cair, que caia! Tô cansado de levar essa empresa nas costas. Fui!


E foi assim que o Raul saiu do trabalho, naquele dia. Puto da vida e rogando uma centena de pragas para o Jair. No elevador, apertou o botão da garagem, como fazia todos os dias; e foi só quando a porta abriu que lembrou que o carro tinha ficado na oficina.


- Ah, não! Não estou acreditando que eu esqueci o "negão" na oficina. Na droga da oficina, que já fechou. Esse não é o meu dia, mesmo. Não sei nem por que levantei da cama hoje. Devia ter ficado lá, até o meio-dia. Depois, eu ligava pro trabalho e inventava uma dor de barriga. Fácil assim E passava o resto do dia tomando uma cervejinha em frente da televisão. É porque eu sou muito babaca mesmo... Dez anos aturando esse Jair. Dez anos!


Subiu as escadas da garagem e foi caminhando para o metrô. Xingava o Jair, a mãe do Jair e todo o resto da família do Jair. Até para a Joana sobrou.


- Se a Joana pensa que eu vou comer aquela sopa hoje, ela está muito enganada. Mas não como nem morto! Que mania de sopa: é sopa no café, sopa no almoço e sopa no jantar. Dieta de limpeza. Que limpeza, porra? Tá tudo super limpo lá em casa. Quer saber de uma coisa? Hoje eu vou comer a macarronada do Seu Manoel. Bem ali. No boteco da esquina. E, se ela não gostar... que se dane!


Desceu as escadas do metrô, como se estivesse num transe. A estação estava cheia, procurou colocar-se no início da plataforma. Assim, iria saltar ao lado da saída para a Marquês de Abrantes. Dali até em casa, um pulo. Depois, um banho e a macarronada do seu Manoel!


Quando o trem chegou, apressou-se para entrar, na tentativa de conseguir sentar-se. Nada feito. Vagão lotado. Ia ter que viajar em pé mesmo. Pouca sorte, ou não. Porque foi aí, nesse exato momento, em meio às pragas que rogava para o Jair, que sentiu o perfume dela.


– Nossa! Que cheiro bom...


Virou-se, curioso, e deparou-se com um metro e setenta de pura beleza: “Cara, que gostosa... O que é isso? A mulher é uma deusa. Que peitinho... Nesse vestidinho. E tá de calcinha pequena! Ai, meu Deus, me belisca, não tô acreditando. Que boca!... Eu passo a noite te beijando, baby. Olha pra mim, vai. Só um olharzinho para me dar confiança. Só um unzinho.”


Mas a moça não olhou. Ficou ali: distraída, elegante e linda. Sem nem perceber o encantamento que tinha provocado.


Quando o trem chegou à estação do Flamengo, ficou num impasse: salto ou não salto? Não deu tempo de decidir - foi sendo empurrado para fora do vagão, pelas pessoas que saíam apressadas. Sem querer, esbarrou nela, que olhou e sorriu. Ficou mudo, doido, apaixonado. Não conseguiu dizer palavra. Quando deu por si, já estava na plataforma, sem saber para que lado ia. Com cara de bobo alegre.


Foi subindo as escadas da estação, lembrando-se de cada detalhe dela. Imaginou-a de todas as formas possíveis: vestida, despida, de calcinha vermelha, preta, na praia, na banheira...


No caminho para casa, foi cantarolando aquele sambinha do Martinho de que tanto gostava. Já não se lembrava do Jair, da ponte, do carro. Só pensando nela.


Quando entrou em casa, encontrou um bilhete da Joana: “Oi amor! Fui ao mercado, volto logo”.


Foi para o quarto, espalhou as roupas e entrou no banho. Quando saiu do chuveiro, ouviu a chave na porta. Assim como estava, enrolado na toalha, foi para a sala e viu a Joana, chegando, cheia de sacolas. Nem esperou que ela as colocasse na cozinha. Abraçou-a e começou a despi-la. Ali mesmo. E, entre cenouras, pepinos e cebolas, comeu a Joana, no chão da sala. Só pensando nela.


Sandra Moss
26/08/2009




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