quinta-feira, 17 de dezembro de 2009




Estes contos são de Sandra Moss, filha de Ângela Moss de Sá. É de família.

Leiam os dois. Vocês vão gostar.
A Beleza do Outro
Naquele dia acordei de bem com vida. Espreguicei-me com calma e adivinhei, pela fresta da cortina: fazia um dia lindo lá fora! No banheiro, olhei-me no espelho e gostei do que vi: a pela viçosa, o olhar descansado, os cabelos desalinhados, meio selvagens. Nem as celulites, que geralmente me deixam deprimida, incomodaram-me. Nada como uma boa noite de sono para me deixar feliz.

Durante o café, meus pensamentos vagaram por amenidades. Sem o jornal, que resolvi abolir nos dias de semana, distraí-me com o papo de duas vizinhas que trocavam receitas na garagem: bolo de cenoura com calda de chocolate. Morar no primeiro andar é assim - você acaba acompanhando a vida de toda a vizinhança.

Nenhuma urgência, nenhuma angústia.
Levei algum tempo para escolher a roupa que iria vestir. Não poderia ser nada muito escuro: preto ou cinza, fora de cogitação. Talvez a blusa azul que ganhara de presente de aniversário e que estava guardando para um momento especial? Sim, aquele era um dia especial, há tempos não me sentia tão leve.

A melhor felicidade é aquela que não tem por quê. Sentir-se feliz por nada, quero dizer, por nada em especial, simplesmente feliz!

Fui caminhando para o metrô, como faço todos os dias; mas, nesse dia, calmamente, sem pressa. Nem me incomodei com o trânsito que, àquela hora, já estava irritado.

Chegando à estação, comprei o ticket e me sentei num banquinho da plataforma para esperar o trem. E foi aí, nesse exato momento, que ela apareceu.

Primeiro, senti seu perfume. Suave, com um leve tom adocicado. Nossa, que cheiro bom! Levantei os olhos, curiosa: devia ter 1,75m. Pernas esguias, cintura fina, quadris arredondados. Os seios perfeitos, ligeiramente proeminentes no decote. A pele morena, cor de jambo, brilhava. O pescoço, alongado, completava o perfil escultural, emoldurado por cabelos ... sim, esses sim, selvagens. Carregava uma sacola florida e usava um vestido leve, de algodão. Super feminino.

Nesse momento, o trem entrou na estação. Levantei-me e observei o seu andar elegante. Encaminhamo-nos para a porta do mesmo vagão. Ela levou a mão ao rosto para afastar uma mecha de cabelo que escorregava, displicente, pela face: as unhas, vermelho carmim, lin-das! Sem perceber, enfiei as mãos nos bolsos.

Antes que a porta abrisse, observei meu reflexo na janela do trem. Arrependi-me de estar usando sapatilhas. Um saltinho teria me deixado mais elegante. E aqueles quilinhos que eu não conseguia perder? Sim, começaria a dieta da sopa no dia seguinte.

Autoflagelo: sopa no café da manhã, sopa no almoço e sopa no jantar.

Entramos juntas no vagão, que a essa hora já estava quase lotado. Por sorte, consegui um assento e acomodei-me perto da porta. Ela não conseguiu sentar-se e ficou em pé. Bem ali, na minha frente. Distraída, elegante e linda, sem nem perceber os olhares que se dirigiam a ela.

Repolho, nabo, espinafre, couve e cenoura. Ou será pepino?

Na estação seguinte, saltou. Não se deu conta do estrago que tinha feito.

Desci na Candelária e subi as escadas da estação ainda pensando na dieta da sopa. Na rua, não vi a manhã esplêndida de outono que coloria a cidade. Tudo vermelho e amarelo, vibrantes. Menos eu.

Caminhei apressada. Quando cheguei ao escritório, já não me lembrava que aquele era um dia feliz.



Nenhum comentário:

Postar um comentário